terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

O meu livro - Sem Título (Ainda) IX

Lucília não conseguiu evitar uma pontinha de inveja… Havia anos que não ia a uma festa. Desde a morte do seu querido marido… Mas aquela era a noite da visita do Alfredo e depois também ninguém a tinha convidado. Estranha era, no entanto, a atitude do seu inquilino. Estava diferente, parecia contrariado. Sentia-o alterado, mais agressivo., transfigurado até. Provavelmente não quereria ir à festa. Se calhar o chefe obrigou-o. Mas o Francisco era um homem de rotinas, e esta festa alterava-lhe todos os planos. Já não ia jantar na cozinha a sua refeição rápida, e não iria para o seu quarto fazer o que lá fazia todas as noites… fosse o que fosse!
Da sala ouvia-o a atirar com as portas, coisas constantemente a cair, partiu-se qualquer coisa de vidro… ouvia a voz dele baça a resmungar… Sentiu-o sair de rompante do quarto, ficou nervosa, nunca o tinha visto assim… ele vem direito a si com qualquer coisa na mão, parecia uma arma… a agressividade ouvia-se até no andar… o sapato batia firme no soalho… e uma coisa na mão, é que parecia mesmo uma arma, Lucília encosta-se mais ao sofá… ele pára mesmo à sua frente… levanta a mão, aponta-a a si… era a carteira… que parvoíce… então o homem lá havia de ter uma arma? Mas aquela fúria latente em todos os gestos assustava-a… nunca o tinha visto assim… – D. Lucília, eu não sei a que horas volto. Se calhar ainda passo pela esquadra primeiro antes de vir! Pela esquadra Sr. Francisco? – Ai, então mas aconteceu alguma coisa? - Não, menina Lucília, mas esta noite vai acontecer. Se vierem aqui bater à porta a perguntar por mim não lhes diga nada. Eles que se matem.
E dito isto, com a mesma fúria com que chegou, virou-se e saiu atirando com porta.
Que Deus me perdoe, mas este homem às vezes tem coisas… mas no que é que se meteu agora? Será que vai fazer algum disparate?
Ainda bem que tinha o seu Alfredo esta noite para a libertar de todos aqueles pensamentos.

Ela não sabia ainda, não poderia saber, que não teria o seu Alfredo essa noite, nem em mais nenhuma noite. É que vinte e três de Outubro não foi o início dos piores tempos da vida só para Francisco… foi também para todos os outros.

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