terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

O meu livro - Sem Título (ainda) II

Toda a gente na rua estreita em Campolide conhecia a menina Lucília. De ancas largas, decote generoso e lábio carnudos, toda ela transpirava volúpia e a Francisco isso não passava despercebido. Só pensava nela. Todos os dias, todo o dia. Era obsessiva esta necessidade que Francisco tinha de estar perto dela. Mesmo sabendo que nunca lhe tocaria. O facto de saber que ela estava ali era suficiente para o amor que acalentava secretamente. Alfredo era o seu homem e ele sabia-o. Não o incomodava, acomodara-se a essa realidade. Ele fazia-a feliz e isso bastava-lhe. Duas noites por semana Alfredo lá ia a casa visitar a sua “Patroa de Campolide". Nessas noites o jantar era servido mais cedo para que o nosso homem se recolhesse. Só se tinham encontrado em casa uma vez… Alfredo alegre e jovial, de bigode fininho e perfeitamente aparado, cheiro a colónia barata, camisa florida, peito aberto, fio de ouro com crucifixo ao pescoço. - Francisco depreendia por isso que seria católico e perguntava-se quando pensava ele casar com Lucília, afinal aquelas noites de pecado tinham de ser provisórias – Sapatos imaculadamente engraxados e os tiques de quem sabe tudo sobre tudo… Piscara-lhe o olho, uma pancada forte nas costas – Oh Francisco, agora vai lá cuidar da tua vidinha que eu vou dar o tratamento à patroa. – Desde essa noite, o nosso homem recolhia-se sempre antes do galã de Campolide chegar. Não apreciava a sua linguagem brejeira. Sentava-se na sua cama, pegava no seu revólver e limpava-o, uma e outra e outra vez e perguntava-se quando teria finalmente coragem de fazer aquilo a que se tinha proposto…

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